De forma inédita, o Tribunal Superior do
Trabalho (TST) concedeu a um empregado os adicionais de periculosidade e
insalubridade de forma acumulada. Até então, estava pacificada tese de
que era preciso optar por um dos benefícios.
Na decisão, o ministro Cláudio Brandão determinou que a fabricante de
vagões ferroviários Amsted Maxion pagasse ambos os adicionais a um
empregado. No caso, o funcionário estava exposto a solventes e ruídos
(insalubridade) e a produtos inflamáveis (periculosidade).
Para fundamentar a decisão, o ministro desconsiderou trecho da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O artigo 193, no segundo
parágrafo, diz que “o empregado poderá optar pelo adicional de
insalubridade que porventura lhe seja devido”.
Mas para ele, como a Constituição não faz qualquer ressalva quanto à
acumulação dos benefícios, o dispositivo da CLT não teria validade. Ele
também fundamentou sua decisão em convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil.
Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento
em dobro. Enquanto a insalubridade diz respeito à saúde do empregado em
condições nocivas do ambiente de trabalho, a periculosidade “traduz
situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do
trabalhador”.
Surpresa
Segundo advogados ouvidos pelo DCI, a decisão proferida pela Sétima
Turma do TST, contra a Amsted Maxion, vai na contramão do entendimento
do próprio tribunal. Até então, estava pacificado o entendimento de que
os benefícios não são cumulativos, conforme estabelece a CLT.
A Quarta Turma do TST avaliou, em maio de 2013, que “o dispositivo
celetista [artigo 193 da CLT] veda a cumulação dos adicionais de
periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a
opção pelo que lhe for mais benéfico”. O processo envolvia a fabricante
de máquinas agrícolas Agco do Brasil.
A Quinta Turma do mesmo tribunal, também em maio do ano passado,
seguiu a mesma tese. No caso, o TST reverteu decisão do Tribunal
Regional do Trabalho da 12ª Região, que obrigava a empresa Nazca
Participações a pagar ambos os adicionais ao trabalhador.
“A decisão da Sétima Turma é isolada por divergir da construção
jurisprudencial sobre a matéria, a exemplo das recentes decisões do
próprio TST”, afirma o sócio da área trabalhista do Demarest Advogados,
Antonio Frugis. Para ele, a decisão “inovadora” deriva de uma “corrente
minoritária”.
A avaliação de Bruno Araújo, sócio da Marcelo Tostes Advogados, vai
no mesmo sentido. Num primeiro momento, ele afirma que se considerou a
hipótese de que o entendimento da Sétima Turma poderia sinalizar uma
nova tendência dentro do TST. “A decisão pegou a área trabalhista de
surpresa. Mas concluímos que foi totalmente aleatória”, acrescenta.
Para Frugis, a ação mostra que o TST vem se tornando “menos legalista
e mais protecionista”, pois se afasta do que diz a lei para proteger os
empregados. “Isso é perigoso. O tribunal serve para apaziguar decisões
distorcidas, que fogem da legalidade. Mas atualmente o TST tem emitido
decisões contrárias à lei”, diz ele.
Norma internacional
A valorização crescente dos acordos trabalhistas internacionais é
outro fator que se mostrou presente no caso contra a fabricante de
vagões ferroviários. Para fundamentar sua decisão, o ministro Claudio
Brandão fez uso de duas convenções da OIT, a 148 e 155. Segundo ele, a
Convenção 148 “consagra a necessidade de atualização constante da
legislação sobre as condições nocivas de trabalho”, enquanto a 155
determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes
da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”.
Brandão diz que os acordos “têm status de norma materialmente
constitucional ou, pelo menos, supralegal”, conforme decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF). Por essa razão, ele diz que “não há mais espaço
para a aplicação” do artigo 193 da CLT.
Na visão de Frugis, a interpretação do ministro é “extensiva”, pois
usa recomendações genéricas das convenções internacionais para revogar
artigo específico da CLT. “Nenhuma das convenções fala que o país
ratificador precisa pagar ambos os adicionais.”
Impacto financeiro
De acordo com Araújo, o pagamento dos dois adicionais teria um
impacto significativo para as empresas. Normalmente, o trabalhador é
obrigado a escolher e opta pelo de periculosidade, de 30% do salário
base. No caso de cumulatividade, caberia ainda adicional de 10% a 40%
sobre o salário mínimo, o que equivale a bônus de R$ 72,4 a R$ 289,6.
Isso traria grande impacto para alguns segmentos, diz Araújo. No ramo
de segurança, por exemplo, já é obrigatório o adicional de
periculosidade para os vigilantes. Para os que estão expostos a agentes
prejudiciais à saúde, caberia o segundo adicional. “Isso geraria uma
confusão tremenda. Cremos que o entendimento não deve permanecer”,
afirma.
Roberto Dumke