segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Juiz absolve uso de drogas na cadeia


O ESTADO DE S. PAULO - METRÓPOLE
Não comete falta disciplinar o preso que fuma maconha, cheira cocaína, usa outras drogas e bebe a aguardente chamada Maria Louca. Esse é o teor de dezenas de sentenças do juiz-corregedor dos presídios de Tupã (SP), Gerdinaldo Quichaba Costa. Essas decisões já preocupam os agentes prisionais e diretores das quatro penitenciárias sob sua jurisdição - uma de regime semi-aberto e três de segurança máxima - de Pacaembu, Junqueirópolis e Lucélia, que abrigam cerca de 5 mil detentos. O temor é de que as sentenças do magistrado estimulem o tráfico de drogas nas prisões. A promotoria de Justiça de Tupã, que podia recorrer das decisões, concordou com a maioria das sentenças. Sem recurso do Ministério Público, as sentenças se tornaram definitivas - sem a apreciação dos tribunais superiores. As infrações disciplinares dos presos são controladas pela Justiça. Quem tem falta grave não pode, por exemplo, receber o benefício de cumprir a pena em regime semi-aberto ou visitar a família em feriados, como o Natal. Se o detento está nos regimes aberto ou semi-aberto e comete uma infração, deve voltar a cumprir a pena em regime fechado. O argumento do juiz para desconsiderar o consumo de drogas é o fato de a nova lei de entorpecentes não punir com pena de prisão o porte. "Não tem pena de prisão, mas o porte continua infração penal e, do ponto de vista administrativo, não há como negar a falta grave", rebate o professor de Direito Penal Luiz Flávio Gomes. Segundo ele, o legislador manteve o porte de drogas como infração penal sem pena "porque ninguém quer estimular o uso de drogas". Para o juiz, no entanto, se a lei no caso do crime "impede o encarceramento, com maior razão deve (impedir) o mínimo (falta disciplinar), cuja natureza é administrativa". E assim, por exemplo, o juiz desconsiderou como falta grave a posse de cocaína pelo preso Eliel Pereira Pimentel e a de maconha pelo preso Osman Quirino de Oliveira. Desde agosto de 2007, mantém esse entendimento. Segundo diretores da Coordenadoria das Unidades Prisionais da Região Oeste, a falta de punição ao porte de drogas pode aumentar as mortes de presos e achaques a parentes. Isso porque as dívidas de viciados com traficantes estão por trás de muitas mortes no sistema carcerário que foram disfarçadas de suicídio. Trata-se do chamado "Gatorade" - mistura de cocaína com Viagra injetada nas vítimas para provocar overdose. Além de drogas, o juiz também desconsiderou como infração sete casos de presos apanhados com a aguardente Maria Louca, feita com cascas de frutas e arroz. O argumento do magistrado em seis dos casos trata a bebida como entorpecente. Ele absolve os presos porque a "posse de entorpecente, tendo em conta a nova concepção social sobre as drogas, não permite punição com encarceramento". ''Não estou liberando o uso de drogas dentro de presídios'' Responsável pela Vara das Execuções Criminais de Tupã, o juiz Gerdinaldo Quichaba Costa, de 34 anos, é considerado polêmico. No início do ano, determinou a regionalização das penitenciárias de Junqueirópolis, 1 e 2 de Pacaembu e a de Lucélia - sob sua jurisdição -, impedindo-as de receber detentos de presídios a mais de 200 quilômetros de distância. Também mandou que as unidades não recebessem presos acima da capacidade. As medidas foram derrubadas pela Corregedoria do Tribunal de Justiça. Em setembro, Costa baixou portaria determinando a obrigatoriedade do banho de sol por duas horas dos presos nas celas disciplinares. No sistema paulista, todo preso que comete falta grave fica por até 30 dias em isolamento. "Há décadas detentos do interior são colocados em situações desumanas e cumprem penas cruéis, que ferem os direitos humanos e estão em desacordo com as resoluções internacionais assinadas pelo Brasil", diz. O juiz, que já foi agente penitenciário, escrivão e delegado, falou ao Estado sobre seu entendimento quanto à posse de entorpecente pelos detentos. Por que o senhor entende que o uso de entorpecente não é falta grave? Pela nova lei de entorpecente, a 11.343/2006, o usuário não pode mais ser punido com pena privativa de liberdade. Mas a posse de droga entre sentenciados é considerada falta grave pelos administradores de presídios, que punem com o isolamento de 30 dias. Ou seja, restringem a liberdade. A legislação estabelece que o Direito Administrativo não pode punir mais severamente que o penal. Outra punição de falta grave é a perda, por seis meses, de benefícios de progressão de pena. Se o sentenciado ficar preso mais tempo por conta disso não estarei aplicando uma pena mais severa que a estabelecida pelo Código Penal? Mas a posse não é um delito? A posse é um delito, mas no Direito Penal, para esses casos, só cabe a aplicação de medidas de saúde e educativas. O artigo 26 da lei 11.343 diz que "o usuário e o dependente de drogas, que em razão da prática de uma infração penal estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança, têm garantidos os serviços de atenção à sua saúde, definidos pelo respectivo sistema penitenciário". Devem receber tratamento adequado. Se eu colocá-los numa cela vou agir de forma incompatível. Não estou liberando o uso de drogas em presídios. A penitenciária deveria se adequar à lei, criando penas de prestação de serviços, obrigando essas pessoas a participar de cursos educativos, oferecer atendimento de saúde. Em 39 sentenças o senhor chegou a sugerir isso? Eu só faço considerações técnicas. A questão administrativa cabe a elas (penitenciárias), que devem tomar a função delas. Devem ser adequar à nova lei e fazer revistas, aumentar a vigilância e impedir a entrada de drogas. Apesar disso, o sentenciado acaba cumprindo pena de privação de liberdade porque até a sindicância da falta grave chegar a mim, o que demora cerca de 60 dias, o preso já ficou os 30 dias isolado. Mas isso não pode fazer com que presos de outras regiões prefiram cumprir pena na área do senhor? Há notícias de que o crime organizado estaria cobrando R$ 20 mil para presos irem para lá. O senhor não se preocupa ? Claro, mas é um problema de polícia. Tem de descobrir quem está fazendo isso, investigar e punir. Lamentável que uma transferência direcionada esteja acontecendo. Marcelo Godoy Chico Siqueira, ARAÇATUBA

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