sábado, 5 de abril de 2008

Excesso de prazo na prisão preventiva afronta dignidade

Por Priscyla Costa
Réu, especialmente o que está preso, tem o direito público de ser julgado dentro de um prazo razoável, sob pena de caracterizar situação de injusto constrangimento. Se o Poder Público não consegue julgar em tempo aceitável, então também não justifica manter esta pessoa presa, sem culpa formada, por violar a dignidade da pessoa humana.
O entendimento foi usado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, para garantir a liberdade de uma acusada de formação de quadrilha e porte ilegal de arma. Katiane dos Santos está presa preventivamente desde junho de 2006. Um pedido de Habeas Corpus já foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça que disse que a complexidade do processo justificava a demora do Estado em julgar a acusada.
"Trata-se de processo com quatro denunciados presos em comarcas distintas, cuja instrução está sendo realizada somente através de cartas precatórias, tanto para a oitiva dos acusados, quanto para a inquirição das testemunhas. Portanto, as peculiaridades da causa tornam razoável a demora na formação da culpa, de modo a afastar, por ora, o alegado constrangimento ilegal", afirmou o STJ.
Celso de Mello considerou o contrário. Para ele, o excesso de prazo "traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei".
Para o ministro, afronta a ética-jurídica o excesso de prazo da prisão processual, além da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que prevê no artigo 7º: "toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade".
Ele ressaltou que "o réu - especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação de sua liberdade - tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de um prazo razoável, sob pena de caracterizar-se situação de injusto constrangimento ao seu 'status libertatis'".
Foram citados como precedentes o julgamento do Habeas Corpus que garantiu a liberdade para um acusado que estava submetido à prisão cautelar há 4 anos, 1 mês e 4 dias, sem julgamento e outro que ficou quatro anos e 28 dias "abusivamente" preso preventivamente. "É preciso enfatizar, uma vez configurado excesso irrazoável na duração da prisão cautelar de qualquer acusado, que este não pode permanecer exposto a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal", concluiu o ministro.
Revista Consultor Jurídico, 30 de março de 2008

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