O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu
que as empresas não podem impedir seus funcionários de namorar. Ao
analisar um processo relativo ao tema, a 8ª Turma manteve uma
indenização de R$ 50 mil por danos morais a uma ex-empregada da
Transportadora Colatinense, no Espírito Santo, por discriminação no
trabalho.
A funcionária trabalhava como auxiliar administrativa e iniciou um
relacionamento, mantido em segredo, com o gerente comercial da mesma
empresa. Quando o sócio da companhia soube do namoro, determinou que o
gerente rompesse o relacionamento com aquela “simples funcionária”. Como
isso não ocorreu, a empregada foi demitida dias depois.
Grandes companhias, principalmente multinacionais, costumam ter
normas internas que proíbem o namoro entre funcionários. É o caso do
Walmart e das Lojas Renner, também condenadas pelo TST pela prática. A
conduta, que já é antiga, tem como objetivo muitas vezes proteger a
empresa de possíveis conflitos de interesse entre os empregados.
A Justiça do Trabalho tem entendido, porém, que a empresa não pode
simplesmente vedar o relacionamento entre os empregados, se o namoro
ocorre fora do horário de trabalho. Também considera que normas
genéricas e amplas ultrapassam o campo de atuação da companhia. Nas
poucas decisões existentes, o TST e os Tribunais Regionais do Trabalho
(TRTs) reverteram as demissões por justa causa e asseguraram o pagamento
de indenização por danos morais, que têm variado de R$ 30 mil a R$ 50
mil.
No caso da auxiliar administrativa, a Transportadora Colatinense
alegou no processo que a demissão da funcionária ocorreu por corte de
pessoal e não em consequência do relacionamento. Até porque, segundo a
transportadora, o gerente era casado na época com outra mulher. O TST
manteve decisão do TRT do Espírito Santo que, ao analisar provas,
entendeu que ocorreu constrangimento e discriminação.
O Walmart também teve que indenizar um casal, após determinação do
TST. Cada um receberia R$ 30 mil. O ex-funcionário era operador de
supermercado e ela atuava no setor de segurança e controle patrimonial.
Eles começaram a namorar em março de 2009 e passaram a viver em união
estável.
Após descobrir a relação, o Walmart abriu processo administrativo com
base em norma interna que proíbe integrantes do setor de segurança de
ter “relacionamento amoroso com qualquer associado (empregado) da
empresa ou unidade sob a qual tenha responsabilidade”. Os dois foram
demitidos no mesmo dia.
Para o redator do processo do funcionário na 2ª Turma do TST,
ministro José Roberto Freire Pimenta, houve “invasão da intimidade e do
patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que,
por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se
relacionar amorosamente com colegas”.
Com base nos dados do processo, o ministro Freire Pimenta concluiu
que a demissão se deu somente pelo fato de o casal ter um relacionamento
afetivo. “Não houve nenhuma alegação ou registro de que o empregado e
sua colega de trabalho e companheira agiram mal, de que entraram em
choque ou de que houve algum incidente envolvendo-os, no âmbito interno
da própria empresa”, afirmou. O ministro ainda citou precedente da 3ª
Turma do TST, que julgou o recurso da companheira.
A Lojas Renner também foi condenada a indenizar em R$ 39 mil por
danos morais um empregado que trabalhou por 25 anos na empresa e foi
dispensado, por justa causa, ao manter namoro com uma colega de
trabalho.
A companhia alegou no processo que o empregado foi dispensado por ter
praticado falta grave ao descumprir orientação que não permitia o
envolvimento amoroso entre superiores hierárquicos e subalternos, mesmo
fora das dependências profissionais.
A juíza de primeiro grau considerou inconstitucional o código de
ética da empresa e, por isso, declarou nula a dispensa motivada. Ainda
levou em conta o fato de o empregado ter prestado serviços à empresa,
por mais de duas décadas, sem jamais ter sofrido uma única advertência
ou suspensão.
Os desembargadores do TRT de Santa Catarina mantiveram a condenação
por entender ser “da natureza humana estabelecer relações, empatias e
antipatias, encontros e desencontros, amores e desamores”. O TST também
considerou a decisão correta.
Nos casos em que há casamento entre empregados do mesmo setor, tem
sido comum que as companhias estabeleçam, em regulamento interno, a
saída de um dos funcionários, para não haver conflitos de interesses,
diz a advogada Juliana Bracks, do Bracks & von Gyldenfeldt Advogados
Associados. “Essas regras, porém, têm que ter razoabilidade”. Segundo
ela, o que não pode é existir uma proibição genérica.
Para o professor de direito do trabalho da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), Túlio Massoni, apesar de a companhia ter a
prerrogativa de criar regras e regulamentos internos, eles têm que estar
em conformidade com o ordenamento jurídico. “A razão dessa iniciativa é
louvável para evitar, por exemplo, favoritismos em detrimento da
competência dos funcionários. Contudo não deve ser unilateralmente
imposta”, afirmou Túlio. Ele sugeriu que essas normas sejam elaboradas
com a participação do sindicato dos empregados e sejam consensuais.
O advogado trabalhista Marcos Alencar, entende que essas normas só
podem limitar o relacionamento quando há um nexo entre a função que os
funcionários exercem. “Nada pode impedir que o marido, por exemplo, seja
motorista da empresa e a esposa trabalhe no setor de contas a pagar.
Nesse caso, um setor nada tem a ver com o outro. O trabalho de cada um
flui de forma independente”, disse.
As empresas, ao editarem suas regras, devem demonstrar de forma
convincente que são necessárias, segundo o advogado trabalhista
Alexandre Fragoso Silvestre, do Miguel Neto Advogados. “Os empregados,
por sua vez, devem evitar demonstrações de afeto muito incisivas perante
terceiros, o que, de certa forma e em dado grau, pode agredir outras
pessoas”, afirmou.
Procurado pelo Valor, o Walmart informou por meio de nota que “que
respeita o entendimento do Judiciário e que cumprirá a determinação do
TST”. E acrescentou que “o respeito ao indivíduo é uma de suas
premissas, e que as regras internas estabelecidas visam o bem-estar e
qualidade dos ambientes de trabalho”.
A Lojas Renner, por sua vez, afirmou em nota que não inibe
relacionamentos entre colegas de trabalho e que conta com inúmeros
casais que trabalham na organização. Segundo a empresa, “o caso em
questão refere-se a um relacionamento extraconjugal com uma de suas
subordinadas, o que poderia caracterizar assédio sexual”. A reportagem
não conseguiu localizar representante da Transportadora Colatinense para
comentar o assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário